'Net neutrality' o que é o fim da neutralidade da rede nos EUA? Como o fim dela pode prejudicar você?

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Em uma votação realizada nessa quinta-feira (14), a Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos – FCC, na sigla em inglês – derrubou as principais regras que garantiam o princípio da Neutralidade da Rede para a internet dos Estados Unidos. O assunto voltou ao centro dos debates mundiais sobre política e internet depois que a FCC decidiu derrubar esse princípio das leis norte-americanas.

Para nós, brasileiros, a notícia importa porque operadoras de telefonia do Brasil estariam planejando um movimento semelhante. Há relatos na imprensa nacional de que a queda da neutralidade da rede pode estar próxima também por aqui.


Mas afinal, o que é a neutralidade da rede?

O termo 'neutralidade da rede' é usado para definir o princípio de que todo conteúdo na internet deve ser tratado igualmente. A banda larga que você paga pode ser usada para acessar qualquer site, aplicativo ou serviço sem cobranças especiais com base no conteúdo. Isso quer dizer que uma empresa como a Vivo, não pode bloquear um site como o YouTube ou Netflix, tampouco limitar a velocidade com que seus clientes navegam nessas plataformas, enquanto oferece sinal verde para outros concorrentes.

Hoje, a neutralidade da rede garante que você pague apenas pelo acesso e pela velocidade da sua internet, mas não pelo conteúdo, que é livre para qualquer usuário. Com o fim da neutralidade de rede, as coisas podem mudar.



O que pode mudar?

Após a decisão da Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos (FCC), as operadoras dos Estados Unidos podem começar a vender pacotes de internet diferenciados dependendo do conteúdo que o usuário quiser acessar. Por exemplo: uma pessoa pode comprar um pacote de internet com Facebook e YouTube, mas se quiser acessar a Netflix, vai ter que pagar mais ou adquirir um pacote diferente.

A maior operadora de internet fixa no país, a Comcast, poderá simplesmente bloquear o acesso de seus clientes à Netflix, por exemplo, para que essas pessoas se sintam incentivadas a usar o Hulu, serviço concorrente que é em parte controlado pela Comcast. As novas regras não obrigam as operadoras a fazer qualquer tipo de bloqueio, mas elas poderiam limitar de forma considerável a velocidade de determinados serviços de streaming  a fim de promover os seus próprios.


Comcast Corporation


Existe ainda a possibilidade de empresas como Netflix, Google, Twitter, Facebook e outras terem que pagar grandes taxas para as operadoras permitirem que seu tráfego flua normalmente pela rede, o que poderia aumentar os custos de serviços online para o consumidor.

Imagine um futuro em que, na hora de contratar um serviço de banda larga para a sua casa, você tenha que escolher entre um pacote social (com Facebook, Twitter e Instagram), um pacote streaming (YouTube, Netflix e Spotify) ou um pacote gamer (para quem joga multiplayer). Cada um tem um preço e uma série de restrições sobre quais sites você pode usar. Isso é o que pode vir a acontecer num cenário em que as operadoras não são obrigadas a obedecer o princípio de neutralidade da rede. Uma outra hipótese não envolve bloqueio de conteúdo, mas limite de velocidade. Imagine que uma provedora fechou um contrato milionário com o Facebook para que a sua conexão com a rede social seja a melhor possível. Você continua podendo acessar outras redes, mas o Snapchat, por exemplo, acaba extremamente limitado e com uma velocidade baixíssima. 

Sem a neutralidade da rede garantida pela lei, as operadoras ficam livres para fazer isso. Em outras palavras, o acesso à internet fica mais parecido com o acesso à TV por assinatura. É natural pensar que o único lado da discussão a ser beneficiado pelo fim da neutralidade da rede é o lado das operadoras. Afinal de contas, isso abre as portas para novas oportunidades de negócio. Uma pessoa que só use Facebook e WhatsApp ficará "feliz" em pagar menos para acessar só estes dois serviços. Mas para a livre circulação de conhecimento e informação, que é a base da internet como a conhecemos hoje, isso é péssimo.

A neutralidade da rede também prejudica a competição e a inovação da tecnologia. Imagine que uma operadora fechou um acordo de exclusividade com a Uber que faz com que os usuários possam acessar somente este serviço de transporte por app. Os assinantes não teriam acesso a 99, Cabify ou outras opções que, vez ou outra, podem oferecer corridas mais baratas que a Uber. Pequenas empresas passam a ter menos chances de disputar a atenção do usuário do que as grandes empresas, que ficam livres para fechar acordos de exclusividade com operadoras e limitar o seu acesso a novos concorrentes. A garantia, na lei, de neutralidade impede que isso aconteça.




O que diz a lei

No Brasil, a neutralidade da rede é garantida pela lei federal 12.965, sancionada em abril de 2014 - também conhecida como "Marco Civil da Internet". O artigo 9º da lei diz que as operadoras devem "tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação".

"A discriminação ou degradação do tráfego" só pode acontecer por "requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações" ou por "priorização de serviços de emergência". As operadoras ainda devem "oferecer serviços em condições comerciais não discriminatórias e abster-se de praticar condutas anticoncorrenciais".

Você pode estar perguntando: "tá, mas o que são requisitos técnicos indispensáveis?". O decreto de número 8.771, assinado em maio de 2016 pela então presidente Dilma Rousseff, explica que o tráfego da internet só pode ser limitado em caso de bloqueio de spam, combate a ataques DDoS e "tratamento de situações excepcionais de congestionamento de redes". Por este mesmo decreto, cabe à Agência Nacional de Telecomunicações, a Anatel, fiscalizar as operadoras e impedir que o direito do usuário à neutralidade da rede seja colocado em risco. Todas essas garantias podem desmoronar a qualquer momento nos EUA e, quem sabe, também no Brasil.


E agora?

Por aqui, algumas organizações já se manifestaram contra a possibilidade de que a neutralidade da rede chegue ao fim.  A Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico disse em comunicado público que "a extinção da neutralidade de rede é um retrocesso para a sociedade e para a economia digital".

A última notícia sobre o assunto é de que as operadoras brasileiras podem começar a pressionar o governo a acabar com a neutralidade da rede depois que for votada a reforma da previdência social, proposta pelo Planalto. Isto deve acontecer em fevereiro do próximo ano. Já nos EUA, ainda há chances de que o princípio da neutralidade seja restaurado se o Congresso apresentar e aprovar uma proposta de lei que reverta a decisão da FCC em até 60 dias úteis. Aos usuários, resta fazer sua voz ser ouvida enquanto a internet ainda é livre de pedágios.


O que dizem as empresas do mercado da tecnologia

A Google, Netflix, Twitter, Airbnb e outras empresas e organizações já se posicionaram publicamente contra a decisão, que pode, em tese, gerar consequências até para o Brasil. 

O Google disse: "continuamos comprometidos com políticas de neutralidade", e "vamos trabalhar com outros apoiadores para promover proteções à liberdade do usuário na internet." Já o Twitter disse que o corte da neutralidade da rede é "um duro golpe" contra a "inovação e a livre expressão". Um porta-voz do Airbnb afirmou que a decisão da FCC é "errada e decepcionante". A Fundação Fronteira Eletrônica (EFF, na sigla em inglês), organização sem fins lucrativos que defende a liberdade da web, disse que este foi "um dos maiores erros da história da internet". A Netflix usou o Twitter para se posicionar. "Estamos decepcionados com a decisão de cortar a neutralidade da rede, que guiou uma era sem precedentes de inovação, criatividade e engajamento cívico", comentou a empresa. "Este é o começo de uma longa batalha legal."

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